cOntO dO mÊs

dE: cUtI - nEgrOs Em cOntOs


BONECA

Nenhuma! Cansou de tanto andar.
Perguntara muito. Ouvira respostas de todo tipo. Algumas vezes reagira às escassas delicadezas de certos balconistas e mesmo às ironias finas.
Em outros momentos fora levado à autocomiseração, depois de ouvir, por exemplo:
Sinto muito!...
Ou:
Queira nos desculpar... A fábrica não fornece, sabe...
Desanimar? Não. Não havia porquê desistir de encontrar o presente de Natal para a filha. Ele estava em plena forma física de seus 33 anos. Além disso, era como se a pequena o conduzisse pelas ruas do centro comercial. Continuar a procura, mesmo pisoteando o cansaço, era uma missão.
Com entusiasmo, entrou na loja seguinte. Cheia! Aguardou pacientemente. Uma mocinha branca, de ar meigo e aspecto subnutrido, indagou?
O senhor já foi atendido?
Não. Por gentileza, eu estou procurando uma boneca...
Temos várias. Olha aqui a Barbie, a Xuxinha...E a loirinha
Foi apanhando diversas bonecas. Colocava-as sobre o balcão, como as escolhesse para si.
Olha que gracinha esta aqui de olhos azuis! É novidade. Chegou ontem e já vendeu quase tudo. Chora, tem chupeta, faz pipi... E essa outra aqui? Não é uma graça?
E levou ao colo a ruivinha de tom amarelado, bem clarinha. Mexeu-lhe os bracinhos e as perninhas, e indagou:
Não gostou de nenhuma?
É que estou procurando uma boneca negra...

Meia hora de espera.
Tem sim! o dono da loja dirigia-se à empregada. Procura melhor, na prateleira de baixo, lá em cima mesmo, perto da pia. A moça subia de novo a escada, depois de sorrir um submisso constrangimento. Desceu mais uma vez, recebeu novas instruções e tornou a sorrir. Em seguida, do alto do mezanino, mostrou o rostinho gorducho, marrom escuro, de uma boneca. Radiante,
a balconista empunhava-a como um troféu. Assim desceu a escada. Mas, descuidando-se nos degraus, despencou-se. Todos se apavoraram. As colegas de trabalho foram em socorro.
Nenhuma fratura. Apenas um susto. O patrão exasperou-se, mas logo conseguiu controlar-se, vermelho como pimenta malagueta.
A loja estava cheia. Foi atender o cliente:
O senhor desculpe a demora e o transtorno. Mas, não foi nada. O importante é que encontramos o produto. Está em falta, sabe... Eles não entregaram. Eu mesmo encomendei na semana passada. Mas o representante disse que a firma está exportando para a África. Está certo, mas aqui também tem freguês que procura que procura, não é? o senhor é brasileiro?
Sim.
Então... O homem engoliu a frase e preparou a nota.

Já na rua, o pai, entre tantos pensamentos, alguns desagradáveis, lembrou da descontração a que fazia jus, depois de suar expectativas naquela manhã de dezembro. Respirou fundo. Contemplou o lindo embrulho de motivações natalinas, em que se destacavam o Papai Noel, crianças louras e muita neve.
Seguiu, os passos lentos, em direção a uma lanchonete.
Vai uma loira gelada aí, chefe? pronunciou o balconista ao vê-lo sentar-se junto ao balcão.
Sorriu, confirmando com um gesto de polegar.
Ao primeiro gole de cerveja, sentiu-se profundamente aliviado e feliz.

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